UM MATRIMÔNIO COM A UNIÃO CONJUGAL E TODO ESPECIAL (Curso de Josefologia - Parte II - Capítulo 12)


O pelagiano Julião, negou o matrimônio de Maria e de José, porque  este não foi consumado. Agostinho defendeu este matrimônio colocando sua essência na união dos ânimos. Para ele José é esposo de Maria na continência, não pela união sexual, mas pelo afeto, não pela união dos corpos, mas pela união dos ânimos. A união deles não vem pela ligação dos corpos mas do consentimento, em virtude da União Conjugal.  Para Agostinho não se pode dividir o casal porque não se une carnalmente, mas se une com os corações (Cordibus connectuntur).
A ausência da união sexual não faz com que José não seja o marido, pois o próprio Mateus narra que Maria foi chamada pelo anjo de sua esposa, mesmo referindo que não tinha tido a união sexual com ele para o nascimento de Jesus, mas que ela concebeu por obra do Espírito Santo. Assim, enfatiza Agostinho que aqueles que decidem consensualmente abster-se para sempre da união sexual, não somente não desfazem o vínculo conjugal, mas será tanto mais estável quanto mais este pacto, observado com amor e concórdia, existir não através dos liames dos corpos, mas com o afeto das almas (Voluntariis affectibus animorum).
Santo Agostinho afirma ainda a respeito da ausência da união sexual entre os dois que: “José não por isso não foi pai, porque não se uniu sexualmente com a Mãe do Senhor, quase que seja o libido a torná-la esposa e não a caridade conjugal”. Por isso responde a Julião que retém José somente como “quase marido”, ou seja, segundo a opinião do povo, conforme narra Lucas (3,25) que entendia remover a falsa opinião de que Jesus fora gerado pela união sexual, e não negar que Maria fosse esposa de José. Além do mais, Agostinho afirma que neles foram realizados todos os bens do matrimônio: o filho, a fidelidade e o sacramento. A prole que é o próprio Jesus, a fidelidade, porque não  houve nenhum adultério e o sacramento, porque não há nenhum divórcio.
Em suma, para Santo Agostinho o matrimônio pode ser tido como tal não por motivo da união sexual, mas por motivo do perseverante afeto da mente. Os cônjuges devem saber “muito mais intimamente (multo familiarius) que aderem aos membros de Cristo, quanto mais possam imitar os pais de Cristo” (Contra Faustum 23,8).
O Matrimônio  de Maria com José  não é algo secundário ou um simples acontecimento na vida privada dos dois e sim, um matrimônio todo especial, mas nem por isso incompleto e insignificante, aliás, para termos conhecimento sobre a sua importância basta que leiamos Santo Tomás, o qual na terceira parte de sua obra Summa Theologica, na questão 29 dedica sua atenção sobre “O Matrimônio da Mãe de Deus”, onde interrogando-se sobre o seu matrimônio coloca duas proposições: se Cristo tinha que nascer de uma mulher casada e se houve realmente um verdadeiro matrimônio entre a mãe de Deus e José.
Antes, porém de abordarmos os argumentos de Santo Tomás, vamos considerar que a singularidade deste matrimônio suscitou ao longo dos séculos atitudes contrastantes, pois alguns preferiram não enfatizar São José como o verdadeiro esposo de Maria, mas sim, idealizaram Maria como esposa considerando-a esposa da Santíssima Trindade, esposa do Pai, esposa do Espírito Santo, esposa da Igreja, esposa das almas... menos esposa de José. Outros consideram o matrimônio de José e Maria muito problemático, e outros ainda o julgaram comprometedor, pois diziam que este ocasionava uma dificuldade para a sua virgindade e assim transformaram José num velho, no guarda de sua virgindade, sendo que tudo isso foi fruto da visão errada dos apócrifos, fato este que a arte testemunhou sobejamente.
Existem, contudo aqueles que são convencidos da importância deste matrimônio e inclusive promoveram a festa dos Santos Esposos, a qual é geralmente lembrada no dia 23 de janeiro.
Para nós é imprescindível afirmar que o matrimônio de José e Maria tem uma importância capital na história da nossa salvação. O  próprio magistério da Igreja nos ensina que se é importante professar a  concepção virginal de Jesus como nos relatam os evangelistas (Mt 1,18-25; Lc 1,26-38), é igualmente importante enfatizar o matrimônio de Maria com José (Mt 1,16-18-20.24; Lc 1,27; 2,5) porque juridicamente é deste que depende a paternidade de José (RC 7).
Na verdade este matrimônio entra num dos mistérios da vida de Cristo e o seu fundamento bíblico é indiscutível dado a estreita relação dele com todo o mistério da encarnação. O próprio Mateus embora sabendo  que José não gerou Jesus, demonstra contudo a necessidade deste matrimônio, a fim de que Jesus tivesse a qualificação de Messias e a genealogia davídica. Portanto, a encarnação de Jesus aconteceu dentro deste matrimônio.
Os Padres da Igreja ao longo dos séculos ocuparam-se da importância e da natureza deste matrimônio, inclusive com a sua celebração litúrgica começada no início do século XV, sobretudo por esforço de Gerson (1363-1429), chanceler da Universidade de Paris,  o qual num sermão: “Sermo de  nativitate gloriosiae Virginis Marie et de commendatione Virginei sponsi eius Joseph”  dirigido aos Padres do Concílio de Costanza (8/9/1416) pedia-lhes que invocassem oficialmente a intercessão de São José e de instituir uma festa em sua honra para todas as Igrejas  com o objetivo de  celebrar a festa dos Santos Esposos, particularmente aquelas dedicadas à Nossa Senhora, durante o 4º domingo do Advento; para isso ele compôs uma missa e um ofício próprio, o qual se difundiu rapidamente.
Desta data para cá a festa dos Santos Esposos foi celebrada com autorização para Dioceses, Congregações, Conventos e também para alguns Reinos. É de se notar que em 1555 o Papa Paulo IV ao condenar a seita dos  Unitários, a  qual negava a concepção virginal de Jesus, querendo extirpar tal heresia, suprimiu esta festa litúrgica em todos os calendários litúrgicos, porém nem todos observaram sua determinação. Somente em 1561 a Congregação dos Ritos ao fazer uma revisão dos Calendários particulares e dos Ofícios e missas próprias, catalogou  a festa dos Santos Esposos Maria e José para o dia 23 de janeiro como festa considerada de devoção podendo ser celebrada nos calendários particulares, quando  houvesse motivos especiais. Hoje esta festa permanece ligada aos motivos ou aos lugares e a sua promoção depende dos devotos e também, é claro, dos pastores.
A teologia  do matrimônio tem suas raízes na criação e o seu cumprimento na encarnação de Jesus. Na ordem da criação o matrimônio exprime, através do corpo humano, a manifestação do amor. Na ordem da redenção o matrimônio de José e Maria torna-se essencial no aspecto cristológico por dar a Jesus a descendência davídica, no aspecto salvífico porque é a primeira realidade humana assumida para ser purificada e santificada e no aspecto eclesial porque é símbolo perfeito da união de Cristo com a Igreja.
Qual é na obra da criação a realidade que mais manifesta o amor de Deus, o qual é o próprio amor? É o próprio homem, imagem de Deus (Gn 2,7). O homem é visivelmente a mais alta expressão do amor de Deus, porque traz em si a interior dimensão deste dom e com isso leva ao mundo a sua particular semelhança com Deus. No prefácio da Missa para os Esposos lê-se: “Na união entre o homem e a mulher imprimistes uma imagem do Vosso amor”. O homem é portanto sacramento do amor de Deus e realiza isso justamente “doando-se”, existindo “para alguém”. “Numa relação de recíproco dom” (Osservatorio Romano, 10/1/1980). Nesta perspectiva o corpo manifesta a necessidade e a comunhão das pessoas. “O corpo é criado para transferir na realidade visível do mundo, o mistério escondido na eternidade em Deus, e assim ser o seu sinal...”(OR 21/2/1980).
O corpo possui portanto,  uma função sacramental  e isto leva-nos a descobrir o seu significado “Esponsal”, ou seja, a capacidade de exprimir amor. Infelizmente o pecado original comprometeu a função sacramental do corpo e o seu significado “Esponsal”.


Questões para o aprofundamento pessoal


1.    Faça a diferença entre união conjugal e união sexual no exercício do matrimônio de Maria e José e indique os valores deste matrimônio segundo Santo Agostinho.
2.    Indique com suas palavras por que este matrimônio é especial?